"Escrevi este texto há alguns anos, num mês de novembro, depois de um acampamento e depois de ler ‘A Praia’, de Luiz Fernando Veríssimo. Não digo que foi baseado, ou inspirado nele porque qualquer tipo de elo comparativo entre meu pífio punhado de palavras amontoadas e a obra de Veríssimo seria muita ousadia de minha parte. "
Tá chegando o verão...
E verão também é época de acampar nas montanhas. Sempre tem um bando de loucos querendo curtir o sol e o calor nas alturas. E põe calor nisso.
É claro que o pessoal prefere subir à noite, pois é mais fresco, mais agradável. Mesmo que o guia do passeio se adiante um pouco e deixe o grupo pra trás, literalmente num mato sem cachorro (o cachorro, nesse caso, é o guia). E o maldito desalmado ainda sem embrenha no mato e desliga sua lanterna, só pra ver a confusão dos outros, enquanto grita “é por aqui”.
Mas como é divertido se perder da trilha, ficar tateando pra ver se acha de novo. E sabe o que é mais engraçado? Lá na frente dos perdidos está ele... o guia, em um dos raros momentos que está junto da equipe. Mas ele merece um desconto, afinal é noite e o caminho é difícil.
A trilha aparece, o guia some e a vida continua. Numa parada para lanchar, o guia se prontifica a buscar água para o grupo, em uma cachoeira de difícil acesso, num ato de puro altruísmo e camaradagem. E também porque não agüentava mais ouvir tanta bobagem e aqueles gritinhos histéricos dos novatos. Ah, paz, tranqüilidade e silêncio, pensa nosso intrépido guia. Até que, num escorregão, uma garrafa pet voa, uma lanterna desce sozinha a trilha e o babaca escapa por uma questão de milímetros de perder a capacidade de reprodução. Ui!
Aliás, pergunta-se: existe a chance de tropeçar, bater a cabeça, quebrar algum osso, ou ser picado por um animal peçonhento? Existe! Mas o que isso importa? O que importa é aproveitar melhor o fim de semana... E como são bem aproveitadas aquelas horas, revezando atividades como dormir, comer miojo, comer bolacha, comer sanduíche, comer x-salada de um real, comer chocolate - aqueles que ainda não derreteram - comer maçãs, estourar rojões, jogar cartas dentro uma barraca que mais parece uma sauna (ou forno) e... peidar!.. Peidar muito! Impor aos colegas de acampamento, o odor proveniente dos gases emanados de seus intestinos. Peida-se na trilha, na barraca, na roda de baralho, na hora de comer, na hora de dormir. Peida-se premeditadamente, caminhando até a barraca e mirando a bunda na porta da mesma, onde um pobre coitado dorme pra repor as forças. Um verdadeiro crime, comparável ao holocausto da 2º Grande Guerra, onde judeus morriam em câmaras de gás. Peida-se para responder ao peido do outro, algo tipo “Eric Cartman”. Respect my authority. Peida-se de tal horrível forma que o próprio pai nega a criança e leva todos a pensarem ‘”Meu Deus, o que foi que ele comeu?”. Na subida eu vi um macaco morto. Na volta não estava mais lá. Só pode ter sido isso.
Na mochila, apenas o necessário, o indispensável à sustentação da vida humana: Barraca, saco de dormir, roupas, muita comida (suficiente para revender por atacado), talheres, panelas, lanternas, tequilas (+ limão e sal, é claro), whiskys, vinhos, caipirinhas... Apenas o essencial!! Essencial para aquecer aquela noite, regada por uma agradável, comum e previsível chuva. Essencial pra quem leva uma barraca não muito bem preparada para chuva e acaba ligeiramente molhado. E por que não aproveitar a chuva e a impossibilidade de fuga da barraca para.. peidar, claro!! Na próxima vez levo uma máscara.
Felizmente, nada abala o sono de um montanhista exausto. Nem os gritos de "homem ao mar" e "tá afundando" da barraca ao lado. E com a ajuda da essencial tequila, nem mesmo a chuva dentro da barraca, o frio e os peixes que já nadam no saco de dormir abalam o sono do montanhista. Tequila bebida com estilo, com sal e limão em uma caneca de plástico.
Mas a chuva impede o grupo de protagonizar o mais emocionante episódio de um acampamento: a caçada aos tiriscos. Sim, os tiriscos. Esses animaizinhos pequenos e astutos, muito rápidos, que conseguem entrar nas barracas e roubar a comida das pessoas. Você pergunta “cadê meu chocolate?” e o seu amigo, com uma mancha marrom no canto da boca, meio que mastigando, responde “o tirisco pegou”. Daí a necessidade de se abater os possíveis exemplares dessa espécie que possam estar por perto. É fácil: você pega uma panela, uma colher, começa a bater e berrar: Tiriiiiiisco. O “i” prolongado deve ser agudo, meio afeminado. Uns goles do essencial whisky ajudam nessa parte. E deve-se caçá-los à noite, sem lanternas, pois as mãos estão ocupadas. A caçada fica mais engraçada, digo, emocionante. O guia adora (sim, temos um guia, lembra dele? ) ver a confusão e saber que não seremos perturbados pelos animais. Os tiriscos, não os novatos. Esses perturbam mesmo, com seus incessantes ‘UHUUULL’, seus rojões e seus... Peidos. Mas como peida essa galera! Será a altitude? Ou a mistura de miojo com bolacha recheada e chocolate? Ou foi mesmo aquele macaco morto que eu vi na subida e depois desapareceu?
Pois bem, passam as horas, passa a noite, passa a paciência de ficar na barraca e passa a tolerância ao cheiro de peido... mas não passa a chuva. Já é manhã Hora de ir. Enquanto uns arrumam suas coisas debaixo d'água, outros bebem uma tentativa fracassada de achocolatado, feito numa panela que acumulava o tempero de alguns miojos, debaixo de uma lona e escorados numa pedra.
E que comece a descida e com ela, os tombos. A trilha parece um rio, a equipe parece exausta, o tempo parece não querer ajudar e o guia parece não se importar com bosta nenhuma, aumentando a distância do grupo. E mesmo assim nada derruba o bom humor do pessoal. Nada derruba o ânimo. Nada derruba a força, o ímpeto e a determinação. Enfim, nada derruba a vontade de sair logo daquele lugar horrível e voltar pra casa, pra cama macia e pro chuveiro quente. E pra comida da mamãe.
Nada derruba o montanhista. Exceto a trilha, lisa igual vidro ensaboado. Inclusive, um trecho do caminho é chamado de “Saboneteira”. Alguém pergunta “por que, saboneteira?”. O guia responde, mas ninguém ouve. Por que será? Até que... AAAHHH... PLOFT!... É minha gente, ele descobriu o porquê desse nome. Todos caem, todos riem. Menos o guia, que está longe demais do grupo.
Mas tudo acaba. O frio, a chuva, a trilha, as forças, enfim... Acaba o acampamento. Agora um almoço de 2 horas, um banho de 20 e um sono de 200 e então planejar o próximo.
Tomara que não demore!
Alexandre Weinschütz
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